Sociologia

1. DA NATUREZA À CULTURA

Pensando na construção conceitual, a palavra cultura deriva do verbo latino colere, que significa cultivar, criar, cuidar. Assim, da forma de cultivar e de cuidar nascem certos hábitos e comportamentos singulares, produtos e objetos são fabricados. Por isso, cultura é tudo o que foi cultivado e criado pelo fazer humano, tanto em sua dimensão material, de objeto criado, quanto em sua dimensão psíquica ou espiritual, das ideias, dos valores, das crenças.
Por isso, originariamente, a cultura nasce da intervenção humana sobre o mundo natural. A primeira experiência de fazer fogo, o primeiro pedaço de pau que serviu como arma para a defesa contra uma agressão, os primeiros sinais usados para estabelecer comunicação etc. são expressões do processo de humanização, processo de construção de cultura.
Esse processo de intervenção sobre o dado natural, de transformação e de criação recebe o nome de cultura. E como acontece esse processo de transformação que cria a cultura? São muitas as formas de mediação, são muitas as linguagens. Merece destaque inicial o trabalho. Através das múltiplas formas de trabalho, o ser humano cria cultura, adaptando a natureza a seus projetos, a suas necessidades e a seus desejos. Esse é um elemento altamente distintivo do comportamento humano em relação aos demais animais, que não apresentam a inteligência abstrata, que não manifestam capacidades de distanciamento do mundo natural, que permanecem marcados pela natural integração ou adaptação ao meio.
A inteligência humana traz a marca da abstração, da capacidade de construir instrumentos, a partir de um projeto mental. Essa capacidade inerente aos humanos de construir símbolos e de estabelecer comunicação simbólica possibilita acúmulo e transmissão de experiências entre as diferentes gerações. Esse processo de transformação do mundo natural, por meio de diferentes linguagens, é que denominamos cultura. Entre essas linguagens destacamos a palavra articulada na fala, o trabalho transformador da natureza, a arte como instrumento de comunicação etc.
Portanto, a cultura é o âmbito da construção do sentido através dos símbolos da imaginação, através dos quais o ser humano busca dar forma aos desejos de seu espírito. Se a natureza é a casa do mundo animal, a cultura é a moradia do universo humano, sempre em construção. Dessa forma, uma das marcas mais distintivas do mundo natural para a existência humana encontra-se na abertura que o universo cultural apresenta ante à delimitação e programação genética presentes no reino animal. Dessa abertura potencial existente no ser humano, criador de cultura, emergem múltiplas possibilidades, que podem caminhar em direções opostas. Destacamos, por um lado a sociabilidade humana e, por outro lado, o individualismo e a impulsividade agressiva.
Nas reflexões filosóficas, sociológicas, antropológicas e políticas sobre a relação indivíduo e comunidade, afirma-se que os homens perceberam, desde as suas primeiras organizações em sociedade, que a vivência em grupo era também muito instável, devido à impulsividade e agressividade que caracterizam o ser humano. Por essa razão, nasce a consciência da necessidade de estabelecer leis e normas, para assegurar a vida de todos. Essa será uma das dimensões fundamentais da vida cultural.

Celito Meier

14. PIERRE BOURDIEU. EFEITOS DO LUGAR E HABITUS

O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) traz análises decisivas para compreendermos a dinâmica e dialética relação que existe entre indivíduo e sociedade. Ele traz uma especial sensibilidade para abordar o modo como acontecem os processos de socialização, de interiorização e de exteriorização de crenças, tradições, valores, princípios, ações comuns a grupos.
Entre os temas fundamentais encontramos o tema da interação social, do capital social, cultural e simbólico, a questão do poder e da dominação, a questão das classes sociais, do sentido atribuído pelos indivíduos às suas ações. Acima de tudo, sua reflexão gira em torno do problema da mediação entre o indivíduo, como agente social e a sociedade. E será no conceito de habitus, como aprendizagem socialmente situada, que ele encontrará essa mediação .

Entre as influencias recebidas de seu pensamento destacamos as de E. Durkheim, K, Marx, M. Weber e J.P. Sartre. Ele Publicou mais de 300 trabalhos, dos quais destacamos: A Distinção; Sobre a Televisão; Contrafogos; Questões de Sociologia; A Economia das Trocas Simbólicas; O Poder Simbólico; Esboço de Uma Teoria da Prática; A Miséria do Mundo. Coisas Ditas.

O ser humano, considerado como um corpo físico, ocupa um lugar no espaço social. Considerando uma sociedade de classes ou uma sociedade hierárquica, um indivíduo encontra-se situado entre, acima ou abaixo de outros sujeitos posicionados na escala social. Em alguns lugares sociais, o fato de alguém ser mulher, homem, criança, rico ou pobre, branco ou negro é fator decisivo para ocupar determinado lugar. Isso é natural? Ou isso é socialmente construído?
Para Bourdieu, “o espaço social se traduz no espaço físico”. Considerando nossa sociedade capitalista, quanto mais capital alguém historicamente possuir mais ele costuma fazer parte de um grupo que se distancia socialmente de outros grupos privados do capital. E nessa distância social, os bens e os serviços costumam estar concentrados com aqueles que detém o capital econômico, cultural, simbólico. Relacionado a isso, formam-se as diferentes regiões do espaço social, e cada região vai recebendo o seu valor, considerando a oportunidade ou não de acesso aos melhores bens e serviços disponíveis, os mais raros e mais cobiçados, de melhor qualidade em educação, saúde, segurança, transporte, lazer.

“O capital permite manter à distância as pessoas e as coisas indesejáveis ao mesmo tempo que aproximar-se de pessoas e coisas desejáveis [...] Inversamente, os que não possuem capital são mantidos à distância, seja física, seja simbolicamente, dos bens socialmente mais raros [...] A falta de capital intensifica a experiência da finitude: ela prende a um lugar.
(BOURDIEU, P. “Efeitos do lugar”. In: BOURDIEU, P (Org). A miséria do Mundo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.p. 164)

Quem ocupa qual lugar no espaço social? De modo geral, indivíduos socialmente distantes, como ricos e pobres, costumam ter fronteiras bem definidas entre eles. E essas fronteiras não são somente definidas pelo capital econômico, mas também pelo capital cultural, social e simbólico. A tendência é de esses grupos se fecharem em si mesmos, em bairros tidos como nobres ou chiques, por um lado, e em bairros periféricos, favelas, morros e guetos, por outro lado.

"O bairro estigmatizado degrada simbolicamente os que o habitam, e que, em troca, o degradam simbolicamente, porquanto, estando privados de todos os trunfos necessários para participar dos diferentes jogos sociais, eles não têm em comum senão sua comum excomunhão. A reunião num mesmo lugar de uma população homogênea na despossessão tem também como efeito redobrar a despossessão, principalmente em matéria de cultura e de prática cultural". (BOURDIEU; 1997:166)

A FORMAÇÃO DO HABITUS

Todo individuo é situado socialmente e passa por um processo de socialização, por meio do qual aprende a ver o mundo, apreende modos de ser e de pensar, a dar valor a certas coisas, a agir de determinadas maneiras. E nesse processo o conceito de habitus, do modo como foi desenvolvido por Bourdieu, torna-se um conceito chave para compreender os modos como as socializações acontecem.

Desde a Grécia, especialmente com Aristóteles, alimenta-se a ideia de que o indivíduo adquire uma disposição estável, uma inclinação para pensar e agir, fruto de aprendizagem. Essa noção grega de Hexis foi traduzida na escolástica, especialmente com Tomás de Aquino, para o conceito de habitus. No começo da modernidade, o sociólogo Emile Durkheim retoma essa ideia, referindo-se a um estado interior estável, de onde nasceriam as orientações dos indivíduos para o seu agir em sociedade. E esse estado interior e profundo seria fruto de um processo de educação, no qual os indivíduos assimilam os princípios e os valores da vida no interior da sociedade onde constroem suas relações.
Bourdieu retoma esse conceito explicitando as relações existentes, as afinidades entre aquilo que os indivíduos fazem e a estrutura social, sendo a estrutura social reconhecida como fator que exerce pressão e condiciona essas ações, escolhas e condutas dos indivíduos.

O habitus tem uma dimensão social e uma dimensão individual. Inicialmente, existe o elemento externo e objetivo, o coletivo, o grupo, a classe social. Esse grupo tem seus valores, seus princípios, sua visão de mundo. O indivíduo que nasce no referido grupo irá internalizar ou interiorizar essa objetividade, a visão do grupo e formará um habitus subjetivo relativamente homogêneo ao do grupo. E essa internalização que o sujeito faz está condicionada pela posição social que ele ocupa, influenciado pelas instituições sociais de socialização às quais ele tem acesso. Desse modo, habitus se forma nos grupos e nos indivíduos no interior de uma sociedade que traz as marcas de seus antepassados.

Partindo do pressuposto de que o homem é um ser social, situado historicamente em uma comunidade, a sua conduta sempre sofrerá as influências do meio. Em decorrência disso, afirma Bourdieu, o indivíduo assimilará diferentes grupos de esquemas e a partir dessa assimilação vai construindo seus esquemas e os aplica a situações particulares. É isso que se entende por habitus. Trata-se de um instrumento de percepção e de ação. Cada Indivíduo aprende a ver o mundo e cria um estilo de vida influenciado pelo meio em que vive.

"Cada agente, quer saiba ou não, quer queira ou não, é produtor e reprodutor de um sentido objetivo porque suas ações e suas obras são produto de um modus operandi do qual ele não é o produtor e do qual ele não possui o domínio consciente; as ações encerram, pois, uma intenção objetiva, como diria a escolástica, que ultrapassa sempre as intenções conscientes". (BOURDIEU. P.Esquisse d'une theorie de la pratique. In: ORTIZ, Renato (Org.) Pierre Bourdieu: Sociologia. Tradução de Paula Monteiro e Alícia Auzmendi. São Paulo: Ática, 1983. P. 15)
Desse modo, nas primeiras socializações que acontecem na instituição família, a criança já começará a formar um habitus primário, a partir do qual novos habitus poderão ser formados, considerando outras agencias pedagógicas ou instituições de socialização como escola e trabalho.

"O habitus adquirido na família está no princípio da estruturação das experiencias escolares, o habitus transformado pela escola, ele mesmo diversificado, estando por sua vez no princípio da estruturação de todas as experiências ulteriores" (BOURDIEU. P. Esquisse d'une theorie de la pratique, p. 162-189. In: ORTIZ; 1983: 18)

Assim, Bourdieu define habitus como:

"um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas, que permitem resolver os problemas da mesma forma, e às correções incessantes dos resultados obtidos, dialeticamente produzidas por esses resultados". (BOURDIEU. P.Esquisse d'une theorie de la pratique. In: ORTIZ; 1983: 65)

Com efeito, o indivíduo não se compreende sem referência ao meio social e cultural no qual ele cresceu e construiu seus juízos, seus valores, suas referências. Contudo, essa construção do habitus é dinâmica, ela nunca está concluída. Novas experiencias significativas vividas nos diferentes espaços, como família, escola, trabalho, poderão afetar o habitus gerando modificações.

Falar em habitus implica falar em uma espécie de matriz, socialmente construída, originada da posição social do indivíduo, por meio da qual ele construirá uma visão de mundo, uma forma de percepção, interpretação e ação nos múltiplos espaços ou situações nas quais viverá. Essa macro visão de julgamentos políticos, éticos e estéticos, que conduzirá o indivíduo a determinadas ações ou reações, constitui o seu habitus.
Em suma, para Bourdieu existe uma relação dialética, dinâmica e conflitiva entre sociedade e indivíduo. Servimo-nos das palavras a seguir como síntese, nas quais Bourdieu cria o rótulo de “estruturalismo construtivista” para definir seu pensamento

"Por estruturalismo, ou estruturalista, quero dizer que existem, no próprio mundo social e não apenas nos sistemas simbólicos - linguagem, mito, etc. -, estruturas objetivas, independentes da consciência e da vontade dos agentes, as quais são capazes de orientar ou coagir suas práticas e representações. Por construtivismo, quero dizer que há, de um lado, uma gênese social dos esquemas de percepção, pensamento e ação que são constitutivos daquilo que chamo de habitus e, de outro, das estruturas sociais, em particular do que chamo de campos e grupos, e particularmente do que se costuma chamar de classes sociais". (BOURDIEU. P. Coisas ditas. São Paulo, Brasiliense, 1990. p. 149)



10. A SOCIOLOGIA DE G. SIMMEL: A VIDA NA METRÓPOLE

A vida na metrópole moderna

Nesse contexto moderno de migração para os centros urbanos e de formação das metrópoles, onde a vida acontece de modo mais agitado, a sociologia de Georg Simmel (1858-1918) está focada nas reações dos indivíduos a esse rápido processo de urbanização, no qual torna-se problemática a questão da autonomia do sujeito diante das forças impessoais da cultura em rápida expansão. O indivíduo sente a pressão, a força coercitiva de uma sociedade que está ficando cada mais mecanizada e provoca alterações profundas na vida privada e social dos indivíduos. Afinal, para Simmel, a sociedade não é constituída pelos indivíduos, mas ela é a eles anterior, ela preexiste a eles e os condiciona, ao mesmo tempo que os socializa.

O locus por excelência dessa modernidade é a grande metrópole, onde se verifica não só a mais elevada divisão econômica do trabalho, como também o acentuado divórcio entre a cultura subjetiva e objetiva. E nesse divórcio o mais grave de tudo é que a luta humana não é por humanização, evolução e aperfeiçoamento da subjetividade, mas por sobrevivência, como na natureza, só que agora em uma disputa na qual o produto será concedido, à duras penas, por outros homens.

A divisão do trabalho e a tragédia da cultura

Simmel se refere à modernidade como tragédia cultural. A tragicidade desse fenômeno consiste especialmente no fato de os objetos culturais, que são produtos do espírito humano e que formam a cultura objetiva, caminham para a autonomização de tal nível que deixam de ser objetos ou meios e passam a se tornar fins, alienando a si seus próprios criadores.
Simmel usa a expressão “tragédia cultural” para referir-se a essa acentuada discrepância entre as conquistas materiais da sociedade e o estado pouco evoluído do próprio ser humano. Nessa grande tragédia cultural, os sujeitos que criam a cultura não mais se reconhecem e nem são reconhecidos na cultura que criam. Portanto, a sociedade moderna, marcada pelas crescentes metrópoles, iniciou um processo de automatização da vida, que implicou a alienação do indivíduo.

A sobreposição da cultura objetiva sobre a cultura subjetiva tem sua origem na divisão do trabalho e da imposição da economia monetária, uma vez que a especialização crescente da produção está fundamentada no princípio da calculabilidade precisa, mediada pelo dinheiro. Dessa forma, o que possibilita tanto a produção quanto o consumo é a economia monetária, da impessoalidade e generalidade do dinheiro que tudo nivela sob o princípio da quantificação, do calculabilidade, da previsibilidade, da ação e razão instrumental ou estratégica. Trata-se de uma sociedade governada pelo impessoalidade do dinheiro, sem consideração à pessoa.

Comportamento reserva e atitude blasé

Se, por um lado, a vida moderna exalta a liberdade como libertação das amarras e coloca no centro o indivíduo e suas buscas, por outro lado, o estilo de vida moderna deixa as relações sociais com vínculos mais débeis ou fracos, se comparados com as relações sociais em sociedades mais tradicionais. A nova mediação fundamental entre as pessoas seria realizada pelo aspecto monetário, pelo dinheiro, que é algo impessoal e universal. E nessa dinâmica, segundo Simmel o que mais se intensifica é a vida nervosa, os estímulos, as múltiplas excitações. Em razão disso, os indivíduos passam a adquirir um comportamento de reserva em relação aos outros, o que funcionaria como uma forma de defesa de sua individualidade. Assim, o individualismo é apresentado como a marca do espírito moderno.

Considerando os estilos e os ritmos da vida moderna, Simmel afirma que os indivíduos são cotidianamente submetidos a um excesso de estímulos. Hiperestimulado, o indivíduo acaba ficando sem forças de reação; nas palavras de Simmel: “incapaz de reagir a novos estímulos com as energias adequadas”. Com isso, nasceria uma impessoalidade que caracterizaria a vida do indivíduo metropolitano moderno, produzindo indiferença. Para falar desse sentimento e atitude Simmel fala em atitude blasé, uma espécie de anestesia, de insensibilidade, de não reação, de não espanto, de distanciamento passivo.

13. Michel FOUCAULT: O processo de vigilância social

Michel Foucault (1926-1984) foi filósofo, crítico literário, filólogo, um teórico crítico da sociedade moderna. Suas reflexões e análises concentram-se em torno dos temas que relacionam conhecimento e poder. Nessas abordagens, o tema do controle social e da função disciplinadora exercidos pelas instituições ocupa lugar central. Outros temas relacionados a essa temática são o corpo, a loucura, o crime, a sexualidade e o poder. Em sua abordagem, enfatiza o papel das instituições, que desempenham funções disciplinadora e controladora das ações do indivíduo. Seus escritos principais são: História da loucura, O nascimento da clínica; As palavras e as coisas; A arqueologia do saber; Vigiar e Punir; A microfísica do poder.

O filósofo e teórico social Michel Foucault (1926-1984) dedica sua obra “Vigiar e punir” (1999) para o entendimento das formas de controle social externas e internas. Segundo o autor, a construção do sujeito dócil, útil e submisso à ordem estabelecida é possível apenas por meio de processos “disciplinadores”, nos quais o corpo e a mente do sujeito são moldados de acordo com o que se pede no meio social. Para entender esse fenômeno, Foucault voltou-se para a observação de instituições disciplinadoras, como a escola e os quartéis, onde os indivíduos que ali permanecem vivem sob o controle da instituição. Podemos concluir que, para Foucault, controle social é um conjunto entre formas externas e internas de intervenção no comportamento do sujeito desviante.

Nas reflexões de Michel Foucault fica evidenciado o quanto o sujeito é sempre um resultado de determinada prática social. Ou seja, o indivíduo é fabricado pela sociedade, e uma das instituições responsáveis por essa fabricação de um determinado ou esperado sujeito é a escola.

Quando Foucault reflete sobre o poder, insiste no reconhecimento de que os poderes não estão localizados em nenhum ponto específico da estrutura social. Funcionam como uma rede de dispositivos ou mecanismos aos quais nada ou ninguém escapa.
Foucault apresenta forte interesse nos aspectos microfísicos do poder, em sua presença universal. Assim, ele combate a ideia de um Estado como força repressora que esteja em algum lugar específico

Em sua obra “Vigiar e punir”, Foucault nos mostra como o Estado moderno exerce seu poder de monitoramento, de controle e punição, por meio de um complexo aparato, que inclui escolas, igrejas, instituições de trabalho, prisões etc. Assim, o que existe na verdade são infinitos mecanismos de saber e poder que perpassam todo o tecido social, gerando e modificando condutas nos indivíduos.

Essa força relacional oculta, não personalizada, atua em todos os âmbitos produzindo um ser humano domesticado ou docilizado. Assim, o poder difuso realiza um controle difuso. Um exemplo no qual podemos fazer ou perceber a aplicação dessa ideia encontra-se na estrutura das fábricas ou dos presídios, nos quais se encontra ou uma torre ou vidros transparentes, por meio dos quais a absoluta vigilância se exerce, nela o vigiado acaba interiorizando o olhar do vigia.

O Panóptico, na inspiração de Jeremy Bentham, era um edifício circular. No centro do pátio havia uma torre com vigilantes, a partir de onde se via todas as celas e tudo o que acontecia em seu interior. Esse “grande olho que tudo vê”, foi tematizado no romance 1984, de George Orwell. A partir desse romance, percebemos a atualidade do Big Brother, do olho que tudo fiscaliza, fazendo circular o poder, criando um sistema permanente de recompensas e penalidades que classificam as condutas, com o objetivo de, acima de tudo, homogeneizar os indivíduos.

"O poder não é algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade, que se possui ou não. Não existem de um lado os que têm o poder e de outro aqueles que se encontram dele alijados. Rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim práticas ou relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona. E que funciona como uma maquinaria, como uma máquina social, que não está situada em um lugar privilegiado ou exclusivo, mas se dissemina por toda estrutura social. Não é um objeto, uma coisa, mas uma relação". (MACHADO Roberto. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: edições Graal, 1979, p. XIV (introdução).

Foucault reflete sobre o Estado e a não identidade ou o não monopólio que o Estado teria do poder, afirmando que o poder não pertence a alguém especificamente ou esteja em um lugar determinado. O que há são múltiplas práticas ou relações de poder.

"Por dominação eu não entendo o fato de uma dominação global de um sobre outros, ou de um grupo sobre outro, mas as múltiplas formas de dominação que podem se exercer na sociedade. Portanto, não o rei em sua posição central, mas os súditos em suas relações recíprocas: não a soberania em seu edifício único, mas as múltiplas sujeições que existem e funcionam no interior do corpo social."( FOUCAULT. M. Soberania e disciplina. In: Microfísica do poder. 5. ed. Rio de Janeiro: Graal. 1985a. p. 181)

Segundo esses termos, Foucault sinaliza para o fato de o poder atuar de forma ramificada, circular, em rede, não podendo ser monopólio de alguém.

Com essa concepção de poder difuso e atuante na sociedade contemporânea, Foucault explicita que vivemos dentro de uma estrutura que nos condiciona o tempo todo. Por isso, o estruturalismo é uma radical denúncia da ideia existencialista de que o homem é ser livre, sujeito autônomo de sua história. O pensamento de Karl Marx também sinaliza, em seu materialismo, que as relações materiais de produção da existência determinam a forma de pensar e de agir do ser humano; ou seja, o ser social do homem, seu meio cultural, determina a sua consciência.

Sobre o poder como rede que atravessa todo o corpo social, Foucault assim expressa:

"Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não você acredita que seria obedecido? O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instancia negativa que tem por função reprimir. (FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: edições Graal, 1979, p. 8)

Para Foucault, o indivíduo moderno é fortemente monitorado e controlado por muitas instâncias de poder. Esse monitoramento generalizado acontece atualmente, também, nas compras que um indivíduo faz, por exemplo, com seu cartão de crédito, nos produtos que consume, etc.

12. A NATUREZA REPRESSORA DA CULTURA, EM SIGMUND FREUD

O mal-estar na civilização

Na parte V de sua obra O mal-estar na civilização, de 1930, Sigmund Freud (1856-1939) fala da natural agressividade que existe no ser humano. Sendo assim, a vida em sociedade não aparece como algo natural. Com efeito, a instituição da sociedade civil acarretará no ser humano um necessário mal-estar, devido à impulsividade e natural busca pelo prazer que terá de ser reprimida pela sociedade.

"A existência da inclinação para a agressão, que podemos detectar em nós mesmos e supor com justiça que ela está presente nos outros, constitui o fator que perturba nossos relacionamentos com o nosso próximo e força a civilização a um tão elevado dispêndio de energia. Em consequência dessa mútua hostilidade primária dos seres humanos, a sociedade civilizada se vê permanentemente ameaçada de desintegração. [...]. Daí, portanto, o emprego de métodos destinados a incitar as pessoas a identificações e relacionamentos amorosos inibidos em sua finalidade, daí a restrição à vida sexual e daí, também, o mandamento ideal de amar ao próximo como a si mesmo, mandamento que é realmente justificado pelo fato de nada mais ir tão fortemente contra a natureza original do homem. A despeito de todos os esforços, esses empenhos da civilização até hoje não conseguiram muito. Espera-se impedir os excessos mais grosseiros da violência brutal por si mesma, supondo-se o direito de usar a violência contra os criminosos; no entanto, a lei não é capaz de deitar a mão sobre as manifestações mais cautelosas e refinadas da agressividade humana".
FREUD: Mal-estar na civilização. Obras psicológicas completas. Edição Standart brasileira. Rio de Janeiro: Imago editora, 1996. p. 160-161.

Uma das estratégias da cultura para reprimir a libido humana tem relação com o culto ao trabalho, conduzindo os indivíduos a trabalharem cada vez mais. Contudo, isso também acaba contribuindo para um profundo mal-estar no indivíduo nessa sociedade.

Sobre a repressão social, na parte IV de sua obra Mal-estar na civilização Freud assim se expressa:

"A tendência por parte da civilização em restringir a vida sexual não é menos clara do que sua outra tendência em ampliar a unidade cultural. Sua primeira fase, totêmica, já traz com ela a proibição de uma escolha incestuosa de objeto, o que constitui, talvez, a mutilação mais drástica que a vida erótica do homem em qualquer época já experimentou. Os tabus, as leis e os costumes impõem novas restrições, que influenciam tanto homens quanto mulheres. Nem todas as civilizações vão igualmente longe nisso, e a estrutura econômica da sociedade também influencia a quantidade de liberdade sexual remanescente. Aqui, como já sabemos, a civilização está obedecendo às leis da necessidade econômica, visto que uma grande quantidade da energia psíquica que ela utiliza para seus próprios fins tem de ser retirada da sexualidade " .

FREUD S. Mal-estar na civilização. Obras psicológicas completas. Edição Standart brasileira. Rio de Janeiro: Imago editora, 1996; p. 109.

11. PROCESSO CIVILIZADOR EM NORBERT ELIAS.

O processo civilizador e o refinamento das ações e dos sentimentos

Em O processo Civilizador, Norbert Elias Norbert Elias (1897-1990) analisa a formação dos valores sociais e os efeitos que o Estado moderno provoca sobre os costumes e a conduta moral dos indivíduos. O Olhar de Elias favorece a desnaturalização dos valores e dos sentimentos morais. Os nossos sentimentos e valores seriam uma construção história, que tem contexto, e atenderiam a objetivos ou interesses de classe.
Desse modo, no percurso histórico de construção da cultura, os valores sociais aprendidos e apreendidos ou assimilados e internalizados passam a ser vistos como se fossem naturais, e incorporam a estrutura da personalidade do indivíduo. Por exemplo, o sentimento de vergonha, que muitos julgam como natural, Elias evidencia como socialmente aprendido nas relações sociais.

Uma das mais significativas contribuições de Norbert Elias está justamente na crítica que faz à ideia de civilização que imperava, evidenciando que as maneiras “civilizadas” não são naturais, mas resultado de um lento e progressivo desenvolvimento histórico, no qual vai sendo processado um “refinamento” das ações e dos sentimentos dos indivíduos, por meio de coações e coerções sociais, transformando modos de pensar, de perceber, de sentir e de agir .

Metodologicamente, Elias se concentra em uma documentação referente à instituição de regras e padrões de conduta, manuais de boas maneiras que lentamente promovem o “refinamento” das ações e dos sentimentos dos indivíduos. Norbert Elias mostra como, historicamente, a centralização do poder nas monarquias absolutistas exigia maior controle das emoções e dos impulsos entre os indivíduos que se relacionavam nesse nível hierárquico a ponto de ser um elemento definidor da identidade, que distinguia a elite social. A partir do momento em que a burguesia passa a assumir funções governamentais, a instituição família receberá como uma de suas principais funções a educação das crianças, na direção do seu condicionamento para os padrões de comportamento socialmente aceitos.
Esse processo civilizador seria um processo de internalização dos comportamentos considerados “civilizados”, culminando no autocontrole das ações e emoções, produzindo uma mudança profunda na personalidade do sujeito. Para Elias, a condição de sobrevivência de uma sociedade está atrelada à canalização das pulsões e emoções do indivíduo na direção de algo socialmente aceito e valorizado. É nesse contexto que nascem ou se formam as normas de conduta.

Mostramos como o controle efetuado através de terceiras pessoas é convertido, de vários aspectos, em autocontrole, que as atividades humanas mais animalescas são progressivamente excluídas do palco da vida comum e investidas de sentimentos de vergonha, que a regulação de toda a vida instintiva e afetiva por um firme autocontrole se torna cada vez mais estável, uniforme e generalizada. Isso tudo certamente não resulta de uma ideia central concebida há séculos por pessoas isoladas, e depois implantada em sucessivas gerações como a finalidade da ação e do estado desejados, até se concretizar por inteiro nos “séculos de progresso”. Ainda assim, embora não fosse planejada e intencional, essa transformação não constitui uma mera sequência de mudanças caóticas e não estruturadas ( ELIAS; 1993: 193-194).

Desse modo, o processo civilizador, muito mais do que um processo racional, se constituiria como um processo no qual aumenta o sentimento de vergonha sobre determinados comportamentos indesejados socialmente, gerando profundas alterações emocionais e mentais nos sujeitos culturais.

Na verdade, [a limitação dos instintos] é cultivada desde tenra idade no indivíduo, como autocontrole habitual, pela estrutura da vida social, pela pressão das instituições em geral, e por certos órgãos executivos da sociedade (acima de tudo, pela família) em particular. Por conseguinte, as injunções e proibições sociais tornam-se cada vez mais partes do ser, de um superego estritamente regulado (ELIAS; 1993: 186-187) .

Assim, a força coercitiva da cultura move os comportamentos sociais de seus membros. O próprio indivíduo passa a exercer um autocontrole para não frustrar as expectativas sociais e sentir-se incluído socialmente.

Nesse sentido, para Norbert Elias, o critério que define ou orienta o processo civilizador de uma cultura é a passagem da coerção externa para a autocoerção, estágio no qual, de forma antecipada, o indivíduo evita a necessidade da punição externa, necessidade através de um comportamento socialmente esperado, sendo gentil, polido e generoso. Portanto, o processo civilizador acontece na medida em que os impulsos primários e agressivos do ser humano são controlados e canalizados para a vida social.

2. O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS (1)

O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

O contexto histórico no interior do qual irá construir-se, formar-se e desenvolver-se a sociologia é o da emergente sociedade capitalista, na modernidade europeia. As profundas mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais exigiam novas explicações, solicitavam novos métodos investigativos capazes de fornecer uma perspectiva analítica do que estava acontecendo. Dessa forma, as teorias sociológicas e os conceitos que serão construídos trazem as marcas desse contexto e se tornam expressão do pensamento moderno.
O século XVIII é conhecido como “século das luzes”, do movimento iluminista, da confiança nos poderes da razão e das lutas em prol da liberdade de pensamento. Os representantes maiores desse movimento são os precursores da sociologia: John Locke (1632-1704), Montesquieu (1689-1755), Voltaire (1694-1778), Rousseau (1712-1778), Immanuel Kant (1724-1804).
É importante perceber que o pensamento moderno abrange duas dimensões fundamentais: a busca do conhecimento e a crítica social. Para os filósofos iluministas, as instituições humanas tinham recebido uma configuração absolutamente injusta, irracional, que caminhavam na contramão dos direitos naturais do ser humano. Por exemplo, o modo como as relações humanas eram exercidas no mundo do trabalho, no reino da economia, na política e na religião estava fortemente marcado por injustiças sociais. Por isso, nascem as lutas históricas pela superação de determinadas formas de organização social.
É nesse contexto de um olhar mais profundo sobre a realidade social, de radicais críticas e de emergentes revoluções que se encontram as sementes das ciências sociais. O pensamento moderno assume uma nítida dimensão crítica e reivindicatória da realização dos direitos naturais do ser humano.
O sociólogo brasileiro Carlos Benedito de Campos Martins faz um retrato da vida social em movimento, a partir do qual nascerá a sociologia como o olhar que buscará compreender esse novo tecido social:
“Num período de oitenta anos, ou seja, entre 1780 e 1860, a Inglaterra havia mudado de forma marcante a sua fisionomia. País com pequenas cidades, com uma população rural dispersa, passou a comportar enormes cidades, nas quais se concentravam suas nascentes indústrias, que espalharam produtos para o mundo inteiro. Tais modificações não poderiam deixar de produzir novas realidades para os homens dessa época. A formação de uma sociedade que se industrializava e urbanizava em ritmo crescente implicava a reordenação da sociedade rural, a destruição da servidão, o desmantelamento da família patricial etc. A transformação da atividade artesanal em manufatureira e, por último, em atividade fabril, desencadeou uma maciça emigração do campo para a cidade, assim como engajou mulheres e crianças em jornadas de trabalho de pelo menos doze horas, sem férias e feriados, ganhando um salário de subsistência. Em alguns setores da indústria inglesa, mais da metade dos trabalhadores era constituída por mulheres e crianças, que ganhavam salários inferiores dos homens. A desaparição dos pequenos proprietários rurais, dos artesãos independentes, a imposição de prolongadas horas de trabalho etc. tiveram um efeito traumático sobre milhões de seres humanos ao modificar radicalmente suas formas habituais de vida. ... (MARTINS, C.B.C. O que é sociologia?. São Paulo: Brasiliense, 1994. p.12)
(Segue ...)
Celito Meier

3. O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS (2)

O nascimento e o rápido crescimento do setor industrial inglês provocou o êxodo rural e, com ele, rapidamente se formam as diferentes classes sociais. Falar em modernidade é falar em revolução. Essa revolução, que se inicia na forma de pensar, manifesta-se em muitos campos. A passagem do pensamento da matriz religiosa para a matriz laica e ou secular pode ser verificada em praticamente todos os campos
Na modernidade, as justificativas da ação humana e da norma moral se fundamentam não mais em explicações religiosas, mas na lei natural, no interesse e na razão humana. Essa consciência da responsabilidade humana, vinculada à liberdade e à dignidade humana, está na base das grandes revoluções modernas: Revolução Americana de 1776, Revolução Industrial e Revolução Francesa.
Em decorrência do amadurecimento dessa consciência a respeito da igualdade de direito de todos os homens, que contrastava com a prática do poder centralizador e da manutenção dos excessivos privilégios à nobreza e ao clero, nasce a luta pelos ideais da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Em 14 de julho de 1789, o movimento revolucionário conquistou Bastilha, que era o símbolo do poder vinculado aos nobres e aos monarcas absolutos. A partir dessa conquista, nasce a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento que proclama a igualdade entre todos, derrubando os argumentos que sustentaram séculos de imobilidade social, a sociedade estamental, de castas e privilégios.
A derrubada desse Antigo Regime colaborou para a formação e o fortalecimento de uma nova consciência, a consciência da historicidade, da dinamicidade da vida que, agora, não mais se encontra vinculada à vontade divina, mas se encontra nas mãos dos homens, construtores de seu próprio destino. Nesse novo contexto, a tônica é a mudança. Mudam os modos de produção e o trabalho humano passa a estar estreitamente ligado às maquinas e inovações tecnológicas.
O processo de urbanização, que acontece com a industrialização, evidencia a complexidade da vida humana em sociedade, objeto de estudo das ciências sociais. O surgimento histórico das ciências sociais, especialmente da sociologia e da antropologia, tem como seus objetos de estudo, respectivamente, a sociedade europeia e o estudo dos povos colonizados. O nascimento da antropologia está vinculado ao estudo das identidades dos diferentes povos colonizados, seja na África, na Ásia ou na América. Dessa forma, antropologia é uma espécie de ciência da alteridade, ou seja, reflexão sobre o outro, o diferente.
Não é difícil imaginar a reação dos viajantes europeus ao se depararem com povos bem distintos, tanto física quanto culturalmente. A antropologia cultural nasce com esse olhar sobre as culturas não europeias, buscando compreender seu modo de vida, sua organização, suas concepções. Dessa forma, ela colabora para compreender a natureza sistêmica da vida social, superando o inicial olhar de tendência evolucionista, no qual predominada a concepção etnocêntrica, na qual o colonizador concebe sua própria cultura como mais evoluída em relação às culturas indígenas, por exemplo, vistas como primitivas ou atrasadas.

Celito Meier

3.1. MODERNIDADE CIENTÍFICA E POSITIVISMO

a) A sociologia na emergente sociedade industrial e capitalista

Num período de oitenta anos, ou seja, entre 1780 e 1860, a Inglaterra havia mudado de forma marcante a sua fisionomia. País com pequenas cidades, com uma população rural dispersa, passou a comportar enormes cidades, nas quais se concentravam suas nascentes indústrias, que espalharam produtos para o mundo inteiro. Tais modificações não poderiam deixar de produzir novas realidades para os homens dessa época. A formação de uma sociedade que se industrializava e urbanizava em ritmo crescente implicava a reordenação da sociedade rural, a destruição da servidão, o desmantelamento da família patricial etc. A transformação da atividade artesanal em manufatureira e, por último, em atividade fabril, desencadeou uma maciça emigração do campo para a cidade, assim como engajou mulheres e crianças em jornadas de trabalho de pelo menos doze horas, sem férias e feriados, ganhando um salário de subsistência. Em alguns setores da indústria inglesa, mais da metade dos trabalhadores era constituída por mulheres e crianças, que ganhavam salários inferiores dos homens. A desaparição dos pequenos proprietários rurais, dos artesãos independentes, a imposição de prolongadas horas de trabalho etc. tiveram um efeito traumático sobre milhões de seres humanos ao modificar radicalmente suas formas habituais de vida. Estas transformações, que possuíam um sabor de cataclisma, faziam-se mais visíveis nas cidades industriais, local para onde convergiam todas estas modificações e explodiam suas consequências.
(MARTINS; 1994: p. 12)
As revoluções Industrial e Francesa provocaram profundas transformações na sociedade moderna, especialmente relacionadas à industrialização e urbanização. A rapidez das mudanças fez com que a sociedade moderna se transformasse em um problema a ser investigado e explicado. A sociologia se forma nesse contexto com essa finalidade, tentando compreender as novas condições sociais do mundo em mudança. Portanto, pode-se afirmar que a Sociologia é a forma de conhecimento genuinamente moderna, expressando uma nova visão de mundo.

b) O positivismo e o otimismo técnico-científico

Para Comte, o objeto e o objetivo da ciência deve ter relação com a pesquisa e o conhecimento das leis que regem os fenômenos. E as leis são como que as relações necessárias que derivam da natureza de cada fenômeno. Uma vez tendo ciência dessas leis, o resultado disso será a possibilidade efetiva de prever o funcionamento futuro desses fenômenos. E com essa habilidade, o ser humano poderá ter uma vida melhor, poderá usar isso para o seu proveito, poderá agir sobre a natureza. Desse modo, para Comte, ciência possibilita conhecimento, conhecimento possibilita previsão, previsão possibilita ação.
Buscando conhecer as leis dos fenômenos sociais, a Sociologia coloca-se no caminho da observação dos fatos e neles busca as regularidades. Embora a sociologia, como ciência, busque o conhecimento, esse conhecimento não é fim em si mesmo. Em Comte, a sociologia volta-se também para fins práticos, de natureza intelectual, moral e política, para o aperfeiçoamento moral do ser humano.
Desse modo, os sociólogos deveriam atuar como “sacerdotes”, capazes de aconselhar, de orientar. Por um lado, existiria o Estado, com o poder temporal. Por outro lado, existiria o poder espiritual, que seria o poder da sociedade civil, na qual os sociólogos deveriam estar e atuar com formadores ou reformadores da opinião publica
c) O positivismo e os estágios da humanidade

No primeiro estagio da humanidade , o ser humano explica os fenômenos fazendo referência a vontades exteriores, sobrenaturais, divindades. Comte denomina esse estado de teológico ou fictício, encarnado historicamente no período medieval.
A passagem do primeiro estado, o teológico, para o segundo estágio, o metafísico ou abstrato representou uma verdadeira revolução, por trazer uma nova visão de mundo. No segundo estado, estado da metafísica, acontece um deslocamento dos deuses para as abstrações. Trata-se ainda de uma preocupação com o absoluto, só que agora localizado não mais em seres sobrenaturais, mas em ideias abstratas. Historicamente, a revolução francesa seria representação desse estagio.
Finalmente, o terceiro estágio, o estado físico, é aquele em que o ser humano abandona as pretensões metafísicas ou absolutas, concentrando-se nas evidencias empíricas, naquilo que é relativo, e não absoluto. Há uma radical mudança da imaginação abstrata para a observação. Augusto Comte, na obra Discurso sobre o espírito positivo, caracteriza o positivismo como a saber compromissado com a realidade, por meio de pesquisas verificáveis através da experiência.

4. OS METODOS DE TRABALHO DAS CIENCIAS SOCIAIS

Com a presença da sociologia em sala de aula, temos um novo desafio, que é também uma nova oportunidade: aprender a fazer ciência social. As ciências sociais têm metodologias que precisamos aprender. Não se trata de concentrar o nosso olhar e nossa atitude em críticas sociais ou em projetos de transformação social, por mais importantes que essas dimensões sejam. O que precisamos aprender é fazer análise, interpretar dados, estudar e compreender determinados problemas, temas e conceitos, ver como eles nascem, por quais razões ocorrem, como estão estruturados, que decorrências podem gerar etc.
Falar em ciência, a partir da modernidade, é referir-se à articulação entre quadro teórico e o campo da observação empírica, em busca de uma explicação lógica, racional, coerente do conjunto de dados empíricos selecionados.

As ciências sociais necessitam, portanto, de um método para fazer aparecer aquilo que é não evidente, para explicitar as relações implícitas. Dessa forma, há um rigor presente no método que o afasta do olhar mecânico e irrefletido do senso comum. Por isso, o primeiro passo do método de trabalho do cientista social é a atitude do olhar que toma distancia para ver com novos olhos a realidade, buscando perceber as tendências que estão se formando na vida social. Dessa forma, transcendendo a intuição sensível, a atitude do cientista social vem marcada por profunda habilidade analítica.
Leia a afirmativa a seguir, de Durkheim:

“É preciso considerar os fenomenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós. [...] Essa regra aplica-se portanto à realidade social inteira, sem que haja motivos para qualquer exceção”
(DURKHEIM, É. As Regras do Metodo Sociológico. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins fontes, 2007. p. 28-29 )

Normalmente, falar em método é falar em objetividade de análise, em conjunto de procedimentos a serem seguidos na investigação sobre a verdade de uma realidade. Não cabe improvisação. Faz-se necessário o rigor de um método que possibilite, com base na percepção de regularidades, a previsão ou a afirmação de tendências presentes no fenômeno estudado.
Não pertence à essência da sociologia fazer críticas sociais e pretender ser um reformador da sociedade. A natureza dessa ciência está na análise das relações sociais, na análise das relações que existem entre a estrutura social e o comportamento dos indivíduos.
De modo específico, existem métodos quantitativos e qualitativos. Um sociólogo que trabalha com um questionário, para recolher informações, está usando o método quantitativo. Esse método possibilita as generalizações. Em contrapartida, um antropólogo irá privilegiar o contato, a vivência no interior de um grupo, acompanhando seu cotidiano. Esse é o método qualitativo, pois traz mais qualidade aos dados, pela proximidade. Contudo, nessa abordagem, fica mais difícil fazer generalizações com maior índice de confiança. Trata-se de dois métodos complementares.

Celito Meier

5. IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA

Aprender a fazer sociologia é aprender a buscar e a reconhecer as relações ocultas que existem entre os fenômenos sociais. Com isso, veremos que os fenômenos sociais têm uma história. Eles foram produzidos; não são naturais. Assim, a temática da sociologia é a nossa vivência cotidiana, problemas e desafios de longa data.
Contudo, essa realidade, que nos é familiar, receberá nova ótica, novo jeito de ser abordada que nos possibilitará uma visão sistêmica da realidade, uma noção da complexidade do real. Por isso, a presença do olhar sociológico traz a marca de um inicial distanciamento em relação a espontânea percepção do senso comum.
Em decorrência, os fenômenos e os problemas sociais se tornarão problemáticas sociológicas; ou seja, a sociologia lança seu olhar sobre os fenômenos sociais e elabora um estudo, de forma teórica e sistemática. Com essa postura, a sociologia se afasta do sentir comum que caracteriza os indivíduos em seu viver cotidiano, possibilitando a desnaturalização dessas primeiras visões culturais.
Assim, compreendemos a sociologia como estudo sistemático do comportamento social e das interações humanas, buscando conhecer as condições que influenciam o comportamento das pessoas. Nesse sentido, pode ser compreendida como ciência social, que constrói estudo científico da sociedade.
Entre os objetivos das ciências sociais destaca-se o esforço em identificar o que não está evidente, buscando explicitar as relações causais existentes entre os fenômenos sociais, não transparentes ao senso comum. Em decorrência, o que identifica o papel do sociólogo são a observação e a análise das forças sociais e das tendências que podem ser generalizadas ao relacionar fatos sociais.
Essa habilidade conquistada de perceber os nexos existentes entre a vida cotidiana dos indivíduos e os problemas sociais mais gerais recebeu o nome de imaginação sociológica, denominação criada por Charles W. Mills (1916-1962), que assim se expressa:
“Ter consciência da ideia da estrutura social e utilizá-la com sensibilidade é ser capaz de identificar as ligações entre uma grande variedade de ambientes de pequena escala. Ser capaz de usar isso é possuir a imaginação sociológica”.

(MILLS, C. Wright. A imaginação sociológica. 3 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. p.17).

Dessa forma, a imaginação sociológica possibilita a compreensão do macro cenário histórico e sua significação para a particularidade da vida dos indivíduos e dos grupos sociais. Trata-se do cultivo da habilidade da percepção do jogo que se desenvolve entre o indivíduo e a sociedade, das relações que constituem o fato social.

Celito Meier

6. KARL MARX: O MATERIALISMO HISTORICO E DIALETICO

“Não é a consciência dos homens que determina o seu ser,
mas, ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência” (Karl Marx)
Contra a política liberal: a dimensão política do ser humano

Com o pensamento de Marx (1818-1883), estamos diante do processo de crítica da política liberal. O liberalismo acentuava uma concepção individualista de homem. Nessa visão, o homem era indivíduo portador de direitos naturais, entre os quais o direito à propriedade privada. Nessa concepção, o pressuposto subjacente é a de que a propriedade privada é um direito natural, socialmente útil e moralmente legítimo, uma vez que estimula o trabalho concorrencial e competitivo, combatendo o vício da preguiça e estimulando o crescimento social.
Contudo, Marx parte de outro pressuposto. O homem é essencialmente ser histórico e social, marcado pela produção de sua existência em sociedade. Por isso, o homem não pode ser entendido de forma abstrata e isolada. Marx e Engels, em A ideologia Alemã escrevem: “nós conhecemos somente uma única ciência: a ciência da história”; ou seja, as relações históricas que acontecem entre os homens determinam a forma de pensamento e as instituições sociais e políticas do povo.
Para Marx, o nosso jeito de ser e pensar é determinado pelas relações sociais de produção. Isso significa o termo materialismo. Nele, a consciência humana é determinada a pensar as ideias oriundas das condições materiais. Materialismo se opõe a idealismo. No caso, Marx passa a se opor ao idealismo de Hegel, que considera que são as ideias que movem o mundo. Para Marx, Hegel é pensador utópico e ideológico, pois interpreta o mundo de cabeça para baixo.

Marx passa a criticar Hegel por este absolutizar dados ou fatos históricos, transformando-os em verdades filosóficas; ou seja, para Marx, Hegel desconsidera o processo histórico e dialético de constituição de um fato. Com efeito, para compreender e transformar o mundo, é preciso sair de um pensamento essencialista, a-histórico, que fica preso nas nuvens, desvinculado da realidade
Na condição de seres sociais, somos decorrência da práxis, da ação, dos conflitos históricos. Isto é, a matéria nos define. O materialismo é histórico, pois a sociedade e a política não são de instituição divina nem naturalmente dadas. Ao contrário, nascem e dependem da ação concreta dos seres humanos situados no tempo, fazendo história. O materialismo histórico pretende-se explicativo da história das sociedades humanas, em todas as épocas, através dos fatos materiais, essencialmente econômicos e técnicos. A sociedade é comparada a um edifício no qual as fundações, a infraestrutura, seriam representadas pelas forças econômicas, enquanto o edifício em si, a superestrutura, representaria as ideias, costumes, instituições (políticas, religiosas, jurídicas, etc.).
Assim, a base da sociedade é a produção econômica. Sobre esta base econômica se ergue uma superestrutura, um estado e as ideias econômicas, sociais, políticas, morais, filosóficas e artísticas.

O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Para Marx, as relações sociais são inteiramente interligadas às forças produtivas, econômicas, sendo estas as determinantes. Adquirindo novas forças produtivas, os homens modificam o seu modo de produção, bem como modificam a maneira de ganhar a vida, modificando todas as relações sociais. À medida que mudam os modos de produção, a consciência dos seres humanos também se transforma.
Dessa forma, o ponto de partida é a vida real, as relações materiais de produção. Por isso, ao contrário do que muitos afirmam, não são as ideias humanas que movem a história, mas as condições históricas que produzem as ideias em cada época. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Mais uma vez dizemos, portanto que as ideias são linguagens da vida real, expressão das relações vividas no cotidiano.
A dimensão dialética da história: as lutas dos contrários
Partindo do pressuposto de que as ações humanas se desenvolvem mediante o conflito de classes, temos que a história não é retilínea, um progresso linear e contínuo, uma sequência determinada de causa e efeitos, mas dialética. Assim, a história é processual, marcada por transformações sociais determinadas pelas contradições entre os meios de produção e as forças produtivas. A luta dos contrários move a história. Por isso, a história é uma permanente dialética das forças entre poderosos e fracos, opressores e oprimidos; a história da humanidade é constituída por uma permanente luta de classes, como deixa bem claro a primeira frase do primeiro capítulo d’O Manifesto Comunista: “A história de toda sociedade passada é a história da luta de classes”. Dessa forma, percebemos que as classes são os produtos das relações econômicas de cada era. Assim, apesar das diversidades aparentes, escravidão, servidão e capitalismo seriam essencialmente etapas sucessivas de um processo único que caminha para o comunismo como etapa final desse processo.
Por isso, o materialismo é dialético. A dialética nos revela a Lei da ação recíproca e da conexão universal, isto é, que tudo está em relação; a lei da transformação universal e do desenvolvimento incessante, tudo se transforma. Nessa dinâmica, as transformações se originam da luta dos contrários. Por isso, a luta dos contrários é o motor do pensamento e da realidade. A partir do confronto dos contrários, nascerá o terceiro e novo elemento, em momento posterior. Esse materialismo dialético nos revela a materialidade do mundo, ao afirmar a anterioridade da matéria em relação à consciência; ou seja, a consciência será formada a partir das relações materiais e sociais. Ou ainda, em outras palavras, a vida espiritual da sociedade, seus valores e suas ideias são um reflexo da vida material.
Encontramos em Marx, portanto, uma crítica à concepção idealista da vida. O homem é concebido singularmente como ser capaz de produzir suas condições de existência, tanto material quanto ideal. Assim, não há uma essência prévia; a essência do homem é algo que ele próprio constrói. Por isso, a essência será a própria história em construção. Dessa forma, o homem é, inseparavelmente, produto do meio em que vive; e o meio, por sua vez, é construído a partir das relações sociais em que cada pessoa se encontra. Assim como o homem produz o seu próprio ambiente, por outro lado, esta produção da condição de existência não é livremente escolhida, mas sim, previamente determinada. O homem faz a sua História, mas não a faz em condições por ele escolhidas. Há, aqui, um certo determinismo histórico, uma vez que todo homem nasce sempre dentro de um meio, que o marca profundamente.

7. KARL MARX: TRABALHO, IDEOLOGIA E ALIENAÇÃO

Marx tentou demonstrar que no capitalismo sempre haveria injustiça social, no qual a riqueza é resultante de um processo de exploração sobre o trabalhador. O capitalismo, de acordo com Marx, é selvagem, considerando que o operário produz para o seu patrão, produz riqueza e colhe pobreza. Dessa forma, o capitalismo se apresenta necessariamente como um regime econômico de exploração e degradação da vida, sendo a mais-valia a lei fundamental do sistema.
Considerando que o trabalho, que deveria ser condição de liberdade, torna-se fonte de opressão, Marx condena a forma capitalista de organizar o trabalho, degenerando-o. Nele, o fruto do trabalho não pertence ao trabalhador, e este permanece preso ao patrão. Dessa forma, o trabalho aliena o operário. Vale lembrar aqui o sentido da expressão alienação. Etimologicamente, originada do latim alienare, alienus, alienação significa tornar-se preso, alheio a si, estranho a si, pertencente a um outro. Assim, a alienação do trabalho acontece na medida em que se manifesta como produção de um objeto que é alheio ao sujeito criador. Dessa forma, o operário se nega (é negado) no objeto criado. É o processo de objetificação, coisificação ou reificação. Por isso, o trabalho que é alienado permanece alienado até que o valor nele incorporado pela força de trabalho seja apropriado integralmente pelo trabalhador. Havendo essa apropriação do valor incorporado ao objeto, graças à força de trabalho do sujeito-produtor, promove-se a negação da negação. Ora, se a negação é alienação, a negação da negação é a desalienação, a libertação.

A IDEOLOGIA E O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO ESTADO

Considerando a vida social dos humanos, divididos em classes, temos o conflito como mola que move a sociedade. Por um lado, encontramos o conflito entre os proprietários privados dos meios de produção movidos por seus interesses de fazer crescer sua propriedade. Paradoxalmente, embora estejam em concorrência, precisam uns dos outros. Assim, constroem certas regras para que um não destrua o outro.
Por outro lado, temos as contradições entre eles e os não proprietários (escravos, servos, trabalhadores livres). Para a consciência social, esse conflito e essas contradições aparecem, equivocadamente, como conflito e contradições entre interesse particular e interesse geral. Ora, somente aparecem assim, pois a realidade é bem outra. Na verdade, no capitalismo o motor é o interesse privado e não o interesse coletivo. Por isso, a função da ideologia é fazer uma realidade aparecer de uma forma que convém a um grupo.
Reconhecendo-se incapazes de controlar os não proprietários, junto ao quais a revolução popular é sempre possível, os proprietários dos meios de produção, movidos pelo interesse que os une, precisam criar uma instância com força suficiente para dominar os não-proprietários de forma aparentemente correta, legítima e universal. Para tanto, os proprietários criam o Estado como um poder separado da sociedade, detentor das leis, do direito e da força necessária para gerenciar a estrutura econômica. Em caso de aparente perigo à manutenção da estrutura, o Estado terá o direito ao uso da violência.
Por essa razão, se torna compreensível a necessidade de o Estado aparecer como encarnação do interesse geral, de forma invisível e impessoal. Cria a ideologia do Estado a serviço da justiça, da “ordem e do progresso”, mas, como é próprio da ideologia, em sentido marxista, trata-se de um mecanismo de mascaramento da dominação e da opressão histórica. Cabe à ideologia o papel de impedir a percepção das contradições. Assim, a Ideologia moderna passa a exercer o papel outrora desempenhado pelos mitos e pelas religiões. Quando aceitamos a ideia de que o Estado não se origina da vontade de Deus, mas é oriundo das ideias de estado de natureza, direito natural, contrato social e civil, estamos pressupondo que a consciência humana, independente da história conflitiva dos interesses, tendeu automaticamente para isso.
Assim, a ideologia funciona como processo de ocultamento da origem da sociedade, velando a realidade da luta de classes, negando as desigualdades sociais oriundas da exploração, reconhecendo-as como decorrência do empenho ou preguiça pessoal. Dessa forma, a ideologia consegue criar a ideia de Estado como comunidade, onde convivem homens livres e iguais, impedindo nas pessoas o reconhecimento da natureza de classe do Estado.

A PRAXIS REVOLUCIONARIA

Radicalmente crítico da práxis liberal e da concepção protestante do trabalho, marcado pelo esforço e pela disciplina, objetivando o controle moral dos indivíduos, Marx define o homem como ser de práxis social e histórica. Na atuação histórica, o ser humano se constrói. A subjetividade humana, o sujeito ao trabalhar, se produz no ato da criação. Em todo fazer há fazer-se. O objeto criado torna-se expressão do criador.
Considerando a realidade de luta de classes e a divisão social do trabalho, a práxis humana se dará nessas condições históricas dadas. E considerando que a consciência é determinada pelas condições materiais em que vive, é preciso discernir a realidade para perceber se as ideias veiculadas são representação da realidade ou ideologia, inversão da realidade.
Considerando que o capitalismo gerou o trabalhador despossuído, ausente de todas as posses e propriedades, transformando-o em “livre vendedor de sua força de trabalho”, expropriado, submetido às regras do modelo capitalista de exploração, a única saída para os trabalhadores conquistarem a sua dignidade humana fundamental será a revolução, uma vez que a burguesia detém todos os recursos materiais e intelectuais, jurídicos, políticos e militares para a manutenção dessa estrutura econômica a seu serviço.
Por isso, a emancipação histórica dos trabalhadores será tarefa e realização dos próprios trabalhadores. Será a práxis revolucionária da atual classe trabalhadora que criará a sociedade comunista, sem propriedade privada dos meios de produção, sem poder estatal, verdadeiramente livre e igualitária. Com esse projeto, Marx resgata o valor do trabalho humano, como práxis humana criadora da dignidade pessoal e coletiva

8. DURKHEIM E O OBJETO DA SOCIOLOGIA: O FATO SOCIAL

Você já sentiu muitas vezes a pressão que o meio social exerce sobre sua vida? Percebe que suas ações são socialmente condicionadas? Quando vai tomar uma decisão ou realizar uma ação, você consegue reconhecer que essa decisão leva em consideração o olhar dos outros, a aprovação ou a censura pública?
A sociologia busca analisar os condicionantes sociais que influenciam nas decisões individuais. Assim, a aprendizagem da sociologia vem acompanhada da formação de competências e habilidades relacionadas ao aprender a pensar o indivíduo sempre inserido num todo maior, exterior e anterior ao ele mesmo.
A reflexão sobre o olhar sociológico nos leva à consideração do fato social, estabelecido, por Émile Durkheim, como o objeto de estudo da sociologia. Em sua obra As regras do método sociológico (1895), estabelece que o objeto da sociologia são os fatos sociais. “Fato social é toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais (DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p.13)
A partir desse fragmento, vemos que o conceito de fato social se refere à realidade social que é independente e anterior ao sujeito que a vivencia. Assim, em primeiro lugar, os fatos sociais são marcados pela exterioridade e pela objetividade; ou seja, existem e atuam sobre os indivíduos independentemente de sua vontade ou de sua livre e consciente adesão. Ora, cada indivíduo nasce e é recebido e educado numa tradição já existente. Em decorrência disso, uma segunda dimensão se impõe: o fato social traz sua identidade vinculada à coerção social. Em outros termos, as normas, as regras, os costumes sociais exercem força e pressão prévias sobre o indivíduo.
O meio sociocultural exerce pressão ou força coercitiva que o indivíduo leva em consideração em suas decisões. Existem olhares de reprovação, que têm a força de moldar nosso comportamento em conformidade com o que é socialmente esperado. Além desse aspecto não formal ou “espontâneo”, existe a sanção “legal”, da lei que prescreve ou proíbe certos comportamentos como, por exemplo, o pagamento dos impostos, a multa de trânsito ou a proibição do roubo ou furto. Com base nessa objetividade e coerção, a terceira característica do fato social é a generalidade, ou seja, sua natureza coletiva. O fato social repete-se na coletividade dos indivíduos. O fato social, que tem força coercitiva, é exterior ao indivíduo e vale para a coletividade, está presente, por exemplo, nas roupas que as pessoas usam em determinados momentos da vida social.
Vinculada à noção de generalidade que caracteriza o fato social, no qual se percebem formas padronizadas de pensamento e comportamento, Durkheim aborda a noção de consciência coletiva. Entendida como conjunto de crenças e sentimentos comuns à média dos membros de uma comunidade, a consciência coletiva forma a moral vigente na sociedade, em conformidade com a qual atitudes serão interpretadas como morais ou imorais, louváveis ou reprováveis. Em suma, os indivíduos sentem a pressão do meio e suas ações são socialmente condicionadas.

Celito Meier

8.1. ÉMILE DURKHEIM: OBJETO E MÉTODO DA SOCIOLOGIA

Émile Durkheim (1858-1917), ao lado de Comte, Marx e Weber, é um dos pais da sociologia.

O MÉTODO DE TRABALHO: Os fenômenos sociais como “coisas”

As ciências sociais emergentes na era industrial necessitam de um método para fazer aparecer aquilo que é não evidente, para explicitar as relações implícitas. Dessa forma, há um rigor presente no método que o afasta do olhar mecânico e irrefletido do senso comum. Por isso, o primeiro passo do método de trabalho do cientista social é a atitude do olhar que toma distancia para ver com novos olhos a realidade, buscando perceber as tendências que estão se formando na vida social. Dessa forma, transcendendo a intuição sensível, a atitude do cientista social vem marcada por profunda habilidade analítica.

É preciso considerar os fenômenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós. [...] Essa regra aplica-se portanto à realidade social inteira, sem que haja motivos para qualquer exceção. (DURKHEIM; 2007:p. 28-29)

Influenciado pelo pensamento positivista de Augusto Compte, Durkheim insiste em analisar os fatos sociais como coisas objetivas, externas, anteriores ao indivíduo. Desse modo, pode-se encontrar uma ênfase na ideia de que as subjetividades não deveriam interferir no procedimento científico.

O OBJETO DA SOCIOLOIA: O fato social

FATO SOCIAL é toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais. (DURKHEIM; 2007: p.13)

A partir desse fragmento, vemos que o conceito de fato social se refere à realidade social como independente e anterior ao sujeito que a vivencia. Assim, em primeiro lugar, os fatos sociais são marcados pela exterioridade e pela objetividade; ou seja, existem e atuam sobre os indivíduos independentemente de sua vontade ou de sua livre e consciente adesão. Assim, cada indivíduo ao nascer em uma sociedade é recebido e educado numa tradição já existente. Em decorrência disso, uma segunda dimensão se impõe: a coercitividade; o fato social traz sua identidade vinculada à coerção social. Em outros termos, as normas, as regras, os costumes sociais exercem força e pressão prévias sobre o indivíduo. Uma terceira característica do fato social é a generalidade, ele se impõe a todos os indivíduos daquele grupo social. Vinculada à noção de generalidade, Durkheim aborda a noção de consciência coletiva. Entendida como conjunto de crenças e sentimentos comuns à média dos membros de uma comunidade, a consciência coletiva forma a moral vigente na sociedade, em conformidade com a qual atitudes serão interpretadas como morais ou imorais, louváveis ou reprováveis. Em suma, sociologicamente, na perspectiva de Durkheim, estamos falando da prioridade do todo sobre as partes. Assim, o conjunto social não se reduz à soma dos elementos. Ao contrário, os indivíduos sentem a pressão do meio e suas ações são socialmente condicionadas.

8.3.DURKHEIM: O Suicídio como fato social normal e patológico

O Suicídio como fato social normal e patológico

Suicídio é todo ato de morte provocado direta ou indiretamente por um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima e que ela sabia que devia provocar esse resultado. (DURKHEIM; 2000: p. 14)
Mesmo quando a solidão se associa ao desespero, levando o indivíduo ao suicídio, é a sociedade que está na raiz dessa decisão, é a sociedade que move a consciência desse indivíduo e o conduz a esse ato solitário.
Durkheim estava seguro de que o suicídio dependia de uma realidade social e não da vontade dos indivíduos, uma vez que era perfeitamente observável e verificável a sua regularidade, que acontecia sempre em conformidade com as mesmas ou similares condições históricas. É fato verificável: em condições normais, as taxas de suicídio nos países se mantêm constantes de um ano para outro.
Considerando que as circunstâncias sociais determinam as taxas de suicídio, Durkheim acredita que seja possível estabelecer uma tipologia de suicídio. Nessa pesquisa, ele define quatro tipos de suicídio: suicídio egoísta, altruísta e anômico e fatalista

SUICÍDIO EGOÍSTA.

Em relação ao suicídio egoísta, há maior tendência ao suicídio quando o pensamento do indivíduo está basicamente voltado sobre si mesmo¸ sem a presença e a força integradora do grupo social. É o afastamento do grupo. Essa forma de suicídio se manifesta por um estado de apatia e pela ausência de vínculo com a vida, decorrente do enfraquecimento do vínculo social.
Esse tipo de suicídio, portanto, bem merece o nome que lhe demos. O egoísmo não é apenas um fator auxiliar dele; é sua caua geradora. Se nesse caso, o vínculo que liga o homem à vida se solta, é porque o próprio vínculo que o liga à sociedade se frouxou. Quanto aos incidentes da vida privada, que parecem inspirar imediatamente o suicídio e que passam por ser suas condições determinantes, na realidade são apenas causas ocasionais. Se o indivíduo cede ao menor choque das circunstâncias, é porque o estado em que a sociedade se encontra fez dele uma vítima sob medida para o suicídio. (DURKHEIM; 2000: p. 266-267)

SUICÍDIO ALTRUÍSTA

Em relação ao tipo altruísta de suicídio, que pode ser classificado como heroico ou religioso, um traço comum nesses casos é o excessivo vínculo ao grupo, predominando nele a paixão, a entrega vital.
Se uma individuação excessiva leva ao suicídio, uma individuação insuficiente produz os mesmos efeitos. Quando é desligado da sociedade, o homem se mata facilmente, e também se mata quando é integrado nela demasiado fortemente. [...]. Em todos esses casos, com efeito, vemos o indivíduo aspirar a se despojar de seu ser pessoal para mergulhar nessa outra coisa, que ele vê como sua verdadeira essência. Pouco importa o que lhe dê, é nela, e apenas nela, que ele acredita existir, e é para existir que ele se inclina tão energicamente a se confundir com ela. Portanto, é porque o indivíduo se considera como não tendo existência própria. A impessoalidade, aqui, é levada a seu máximo; é o altruísmo em estado agudo. (DURKHEIM; 2000: p. 269.280)
O exemplo clássico dessa modalidade de suicídio é o que foi praticado, durante a segunda guerra mundial pelos Kamikazes, pilotos japoneses que voluntariamente se lançaram contra os navios inimigos. E você certamente se lembra do atentado terrorista de 11 de setembro de 2011, em Nova York, no ataque ocorrido contra as famosas Torres Gêmeas do World Trade Center, por dois aviões comerciais.
Nesse caso, não se trata evidentemente de suicídio por excesso de individualismo, mas, ao contrário, pelo completo desaparecimento do indivíduo no grupo. O indivíduo se mata devido aos imperativos sociais, sem pensar sequer em fazer valer seu direito à vida. Do mesmo modo, o comandante de um navio que não quer sobreviver à perda da sua nave se suicida por altruísmo; sacrifica-se a um imperativo social interiorizado, obedecendo ao que o grupo lhe ordena, a ponto de sufocar o próprio instinto de conservação. (ARON; 2008: p. 484)

SUICÍDIO ANÔMICO

Um terceiro tipo de suicídio, que é justamente o que mais interessava a Durkheim, é o denominado anômico. A palavra anômico tem sua origem no vocábulo grego nomos, que significa norma. Dessa forma, a palavra anomia refere-se à falta de normas ou de referências. Assim, suicídio anômico tem relação com a debilidade dos laços que vinculam o indivíduo ao grupo na sociedade moderna. Percebe-se uma correlação entre a frequência do suicídio e a instabilidade da vida social, econômica e cultural. Em tempos de crise ou de prosperidade econômica, situações que indicam “perturbações da ordem coletiva”, os índices de suicídio são mais elevados.
Se, portanto, as crises industriais ou financieiras aumentam os suicídios, não é por empobrecerem, uma vez que crises de prosperidade têm o mesmo resultado; é por serem crises, ou seja, perturbações da ordem coletiva. Toda ruptura de equilíbrio, mesmo que resulte em maior abastança e aumento da vitalidade geral, impele à morte voluntária. Todas as vezes que se produzem graves rearranjos no corpo social, sejam eles devidos a um súbito movimento de crescimento ou a um cataclismo inesperado, o homem se mata mais facimente. Como isso é possivel? [...]
Qualquer ser vivo só pode ser feliz ou até só pode viver se suas necessidades têm uma relação suficiente com seus meios.[...]. Seja qual for o prazer que o homem tenha em agir, em se mover, em fazer esforços, é preciso que ele sinta que seus esforços não são vãos e que andando ele avança. Ora, não avançamos quando não andamos na direçao de nenhum objetivo.
(DURKHEIM; 2000: p.311-314)

SUICÍDIO FATALISTA

Sendo historicamente mais raro, o caso do suicídio fatalista é aquele que é realizado em situações de extrema pressão, de excessiva regulamentação social, em que o indivíduo se percebe como em situação de quase ausência de liberdade. Essa é a razão pela qual Durkheim afirma ser raro esse tipo de suicídio na modernidade. Esta tem sido uma das explicações para os muitos suicídios que aconteceram entre escravos que não suportavam a opressão social.
Assim se confrontarmos as tipificações de suicídios, construídas por Durkheim, veremos que ele os coloca em relação aos critérios de alta ou baixa regulamentação social e alta ou baixa integração social. Assim, poderíamos esquematizar dessa forma.
BAIXA INTEGRAÇÃO SOCIAL --- SUICIDIO EGOÍSTA
ALTA (EXCESSIVA) INTEGRAÇÃO -- SUICIDIO ALTRUÍSTA
BAIXA REGULAMENTAÇÃO -- SUICIDO ANÔMICO
ALTA (EXCESSIVA) REGULAMENTAÇÃO -- SUICIDIO FATALISTA

Embora o suicídio seja um fato social normal, o aumento da taxa de suicídio na sociedade moderna é fato social patológico. E o principal sintoma patológico da sociedade moderna é a insuficiente integração do indivíduo na coletividade. Um dos traços da vida moderna é a permanente novidade, a superação dos valores tradicionais e a ausência de valores sociais substitutivos daqueles que foram superados. Em decorrência, sentimentos modernos comuns são a frustração e o desgosto com a vida, relacionados com o hiato que existe entre a expectativa pessoal e o que a sociedade oferece.

8.2. DURKHEIM: A DIVISÃO SOCIAL E AS FORMAS DE SOLIDARIEDADE

A divisão social e as formas de consciência e solidariedade

Ao considerarmos o fenômeno da divisão social do trabalho, depois das análises de Karl Marx, talvez a nossa maior tentação seja fazer uma leitura econômica. Contudo, para Durkheim, a divisão social da sociedade produz em efeito moral muito mais significativo do que o efeito econômico. Por essa razão ele se concentra nessa dimensão moral. Para Durkheim, será graças à divisão do trabalho que a própria vida social se torna possível, uma vez que ela cria entre os indivíduos o sentimento da solidariedade, da percepção de que estão vinculados, de que um depende do outro.
Como pode uma reunião de indivíduos constituir uma sociedade? Como nasce o consenso? Émile Durkheim constrói uma reflexão sobre as possibilidades e os fundamentos de uma vida em sociedade. Nessa reflexão, ele afirma que sociedade não é uma simples justaposição de indivíduos. A sociedade cria a moral. E a moral social cria o indivíduo social. E é por meio da moralidade que a própria sociedade de sustenta.
Assim, em Durkheim, a força motriz que gera e transforma a vida social é a solidariedade, produzida pela divisão social do trabalho. Durkheim reconhece duas formas de consciência, duas formas de solidariedade. Em uma delas predomina a consciência coletiva; na outra, predomina a personalidade individual. Vejamos a reflexão que o sociólogo desenvolve

FORMAS DE SOLIDARIEDADE: MECÂNICA E ORGÂNICA

Durkheim se refere a duas formas de solidariedade. Inicialmente, considerando as primeiras formas de sociedade, em contexto pré-capitalista, nas quais o processo de identificação dos indivíduos operava-se especialmente por meio da tradição familiar e religiosa. Nesses modelos de sociedade, a forma de solidariedade reinante era a “mecânica”, uma forma de solidariedade por semelhança, na qual a consciência coletiva estava marcadamente presente. Nessas sociedades, por exemplo, um filho costuma aprender de seu pai a profissão e o substitui. É uma forma de solidariedade mecânica, sem a dimensão da escolha explicita, consciente ou reflexiva.

Nessas sociedades, predominam na consciência do indivíduo os sentimentos e as crenças comuns a todos, que orientam a vida social. É possível perceber a força dessa consciência coletiva por ocasião de algum crime. Quanto mais intensa for a consciência coletiva maior será a indignação e a revolta contra o crime, que é uma a violação do imperativo social que comanda as vidas particulares.

Nas sociedades de matriz capitalista, fundamentadas na divisão social do trabalho, a forma de solidariedade passa a ser “orgânica”, pois existe maior e mais complexa interdependência, devido ao processo de acentuada especialização das diversas atividades e devido à crescente diferenciação existente entre os indivíduos. Apesar de haver maior interdependência entre as diversas atividades, o individualismo moderno enfraquece a consciência coletiva. Isso é perceptível, por exemplo, na pouca mobilização social coletiva contra o crime. No reino da solidariedade orgânica, as reações coletivas contra a violação daquilo que é considerado como proibido decrescem acentuadamente.

9. Sociologia Compreensiva de Max Weber: A ação social

AÇÃO SOCIAL: OBJETO DA SOCIOLOGIA

Para Weber (1864-1920), a sociologia deve ser compreensiva, uma vez que seu objeto de estudo é a ação humana. Weber parte do pressuposto de que o ser humano é movido pelo sentido que atribui às coisas e às relações; ou seja, toda ação humana recebe um sentido que orienta o ser humano em suas práticas cotidianas. Por ação social, Weber entende toda ação motivada do indivíduo, influenciada socialmente. Trata-se de uma ação que acontece inserida em um contexto sociocultural, que recebe um sentido ou uma motivação subjetiva, tendo como referência a ação do outro.
Dessa forma, a Sociologia é concebida como “uma ciência que pretende compreender interpretativamente a ação social e assim explicá-la causalmente em seu curso e em seus efeitos”.(WEBER; 1998:3). Assim, o objeto da sociologia seria captar e compreender a conexão de sentidos das ações humanas. Por ação entende-se qualquer conduta, já ação social seria uma “ação que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou os agentes, refere-se ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso” (WEBER; 1998:3).
Na sociologia compreensiva de Weber, existem quatro tipos ideais de motivações dos comportamentos humanos: ação social realizada por tradição, por afeto, por valor, por uma finalidade. Inicialmente, inseridos na cultura, os seres humanos costumam agir pela força da tradição, do hábito ou do costume social. Nessa dimensão, estamos diante de uma conduta muitas vezes irrefletida, pouco ou nada racional. Isso dificulta a própria compreensão dessa conduta humana.
Em segundo lugar, a atividade humana é também passível de ser movida pelo afeto, pela dimensão emotiva, impulsiva. Nesse horizonte, inserem-se muitas de nossas ações cotidianas, também as ações movidas pelas paixões do ódio ou da vingança.
Outra forma de ação humana é aquela atividade racional movida pelo valor. Nesse terreno, encontramo-nos na ética da convicção, pois o sujeito é movido por uma causa, seja ela religiosa, politica, artística ou científica. Aqui, o olhar traz uma coerência interna, portador de convicções, não necessariamente conectado a uma consciência das decorrências de suas ações.
A forma racional de atividade, guiada pela finalidade, insere-se no horizonte da ética da responsabilidade, na qual o olhar considera as consequências possíveis da ação. Aqui se estabelece a relação entre fins e meios. Busca-se os melhores meios para chegar à meta estabelecida. Nessa escolha dos fins, costuma também estar presente a ação guiada por valor. Nesse caso, o indivíduo estabelece prioridades e, assim, atribui maior valor a um meio específico em detrimento de outros.

A AÇÃO SOCIAL NA SOCIOLOGIA COMPREENSIVA DE MAX WEBER

Quando o indivíduo decide fazer algo ou quando realiza uma ação, que motivação está na base de sua conduta? Será que o motivo da ação foi a tradição? O afeto? O valor? O objetivo ou a finalidade da ação? Todos esses motivos podem estar presentes ao mesmo tempo? Ou a presença de um exclui a presença de outro motivo?
Diferentemente da abordagem de Durkheim, que se concentra no fato social, que é geral, externo e coletivo, com força coercitiva, a reflexão de Max Weber (1864-1920) se concentra na ação social do indivíduo, na forma como assimila, interpreta e reage diante dos elementos da cultura. No centro das buscas sociológicas de Max Weber, encontramos a noção de compreensão, vinculada à ideia de interpretação do sentido da atividade social e das relações sociais do ser humano.
Weber parte do pressuposto de que o ser humano é movido pelo sentido que atribui às coisas e às relações; ou seja, toda ação humana recebe um sentido que orienta o ser humano em suas práticas cotidianas. Ação social é toda ação motivada do indivíduo, influenciada socialmente. Trata-se de uma ação que acontece inserida em um contexto sociocultural, que recebe um sentido ou uma motivação do sujeito
AS MOTIVAÇÕES DO AGIR HUMANO
Inicialmente, inseridos na cultura, os seres humanos costumam agir pela força da tradição, do hábito ou do costume social. Nessa dimensão, estamos diante de uma conduta muitas vezes irrefletida, pouco ou nada racional. Isso dificulta a própria compreensão dessa conduta humana. Analisando algumas manifestações do Folclore Brasileiro como por exemplo o Bumba-meu Boi (Maranhão) ou Boi-de-Mamão (Santa Catarina) ou Boi-Santo (Ceará), O maracatu (Recife), a Folia de Reis, a Festa do Divino etc, podemos reconhecer a força da tradição como motivação das ações individuais
Em segundo lugar, a atividade humana é também passível de ser movida pelo afeto, pela dimensão emotiva, impulsiva. Nesse horizonte, inserem-se as ações movidas pelas paixões do ódio ou da vingança.
Outra forma de ação humana é aquela atividade racional movida pelo valor. Nesse terreno, encontramo-nos na ética da convicção, pois o sujeito é movido por uma causa, seja ela religiosa, politica, artística ou científica. Nessa esfera, há muita paixão envolvida, o que acarreta também na presença de irracionalidades. Aqui, o olhar traz uma coerência interna, portador de convicções, não necessariamente conectado a uma consciência das decorrências de suas ações.
A forma racional de atividade, guiada pela finalidade, insere-se no horizonte da ética da responsabilidade, na qual o olhar considera as consequências possíveis da ação. Aqui se estabelece a relação entre fins e meios. Busca-se os melhores meios para chegar à meta estabelecida. Nessa escolha dos fins, costuma também estar presente a ação guiada por valor. Nesse caso, o indivíduo estabelece prioridades e, assim, atribui maior valor a um meio específico em detrimento de outros.
Portanto, no centro do olhar compreensivo da sociologia encontra-se o indivíduo situado culturalmente, em sua atividade orientada e motivada. Nessa dinâmica, o método sociológico deverá buscar o sentido que os indivíduos atribuem às suas condutas e ações com os outros em sociedade.

Celito Meier

9.1. Max Weber: A Ética da convicção e a ética da responsabilidade

Ética da Responsabilidade e ética da convicção

Para Max Weber, em toda ação social deve-se ficar atento a dois aspectos fundamentais: por um lado, às influências do meio sociocultural e, por outro lado, as motivações individuais. Considerando as motivações individuais das ações sociais, Weber reconhece duas espécies de motivações, que darão origem a duas formas fundamentais de ética, denominadas ética da responsabilidade e da convicção.
Nessa abordagem, de um lado, está a referência a Maquiavel e, de outro, a Kant. Por um lado, a ação praticada sob a ótica ou ética da responsabilidade considera os efeitos ou consequências possíveis da ação. É o reino da política. Nessa dinâmica, o olhar se volta para a eficácia da ação, para os efeitos desejados. Por isso, a ética da responsabilidade está preocupada com a escolha dos melhores meios para atingir o objetivo desejado. Portanto, a ética da responsabilidade não é fim em si mesma, mas está voltada para fora de si, para os efeitos desejados. Por outro lado, a ética da convicção age com base na convicção em si, sendo uma ação movida por uma ideia prévia, anterior a qualquer contexto.
Entre a ética da responsabilidade e a ética da convicção não encontramos uma necessária contradição; ao contrário, encontramos complementaridade. Evidentemente, há muita diferente entre a ótica de um chefe de Estado e a ótica de um cidadão comum. O primeiro, seguramente, estará mais vinculado à dimensão pública; por isso, mais focado na responsabilidade, na preocupação pelos efeitos da ação e mais concentrado na escolha dos meios mais eficazes. Em contrapartida, o cidadão comum, provavelmente, tenderá a agir mais em conformidade com a ética da convicção
Por um lado, encontramos a dimensão pura e abstrata de uma ética separada do contexto; por outro lado, a ética encarnada na realidade histórica e política dos homens. Assim, se um indivíduo adere cegamente à ética da pura convicção, ele poderá, inclusive, alimentar atitudes fundamentalistas, fanáticas e intolerantes. É no campo político que esses antagonismos costumam se manifestar.

9.2. ESTADO, PODER E DOMINAÇAO EM MAX WEBER

Estado, poder e dominação, na ótica de Max Weber

No campo das ações sociais e políticas, Weber trabalha com os conceitos de poder e de dominação. Quanto à concepção weberiana de poder e de domínio, encontramos em Raymond Aron uma excelente síntese:
"O poder (Macht) é definido simplesmente como a probabilidade de um ator impor sua vontade a outro, mesmo contra a resistência deste. Situa-se, portanto, dentro de uma relação social, e indica a situação de desigualdade que faz com que um dos atores possa impor sua vontade ao outro. Estes atores podem ser grupos __ por exemplo, Estados __ ou indivíduos. A dominação (Herrschaft) é a situação em que há um senhor (Herr); pode ser definida pela probabilidade que tem o senhor de contar com a obediência dos que, em teoria, devem obedecê-lo. A diferença entre poder e dominação está em que, no primeiro caso, o comando não é necessariamente legítimo, nem a obediência forçosamente um dever; no segundo, a obediência se fundamente no reconhecimento, por aqueles que obedecem, das ordens que lhe são dadas. As motivações da obediência permitirão, portanto, construir uma tipologia da dominação".
(ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 7ª ed. Trad. Sergio Bath. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 806-807)

VOCAÇÃO POLÍTICA: paixão, responsabilidade e senso de proporção.

Todo homem, que se entrega à política, aspira ao poder ___ seja porque o considere como instrumento a serviço da consecução de outros fins, ideais ou egoístas, seja porque deseje o poder “pelo poder”, para gozar do sentimento de prestígio que ele confere. (WEBER; 2000: p. 56)

Para Max Weber, quem se dedica à vida pública, assumindo a carreira política deve ter determinados traços de personalidade que esse estilo de vida requer. Quais são os riscos, os desafios e as alegrias inerentes a essa vida? O que se espera de quem se dedica a essa vida?
A carreira política concede, antes de tudo, o sentimento de poder. A consciência de influir sobre outros seres humanos, o sentimento de participar do poder e, sobretudo, a consciência de figurar entre os que detêm nas mãos um elemento importante da história que se constrói podem elevar o político profissional, mesmo o que só ocupa modesta posição, acima da banalidade da vida cotidiana.

Pode-se dizer que há três qualidades determinantes do homem político: paixão, sentimento de responsabilidade e senso de proporção. Paixão no sentido de “propósito a realizar”, isto é, devoção apaixonada a uma causa [...]. Com efeito, a paixão apenas, por sincera que seja, não basta. Quando se põe a serviço de uma causa, sem que o correspondente sentimento de responsabilidade se torne a estrela polar determinante da atividade, ela não transforma um homem em chefe político. Faz-se necessário, enfim, o senso de proporção, que é a qualidade psicológica fundamental do homem político. Quer isso dizer que ele deve possuir a faculdade de permitir que os fatos ajam sobre si no recolhimento e na calma interior do espírito, sabendo, por consequência, manter à distância os homens e as coisas. A “ausência de distância”, como tal, é um dos pecados capitais do homem político. [...] O que se chama “força” de uma personalidade política indica, antes de tudo, que ela possui essa qualidade ( WEBER; 2000:105-106).

Se, portanto, o amor a uma causa deve ser sentimento preponderante na vida do indivíduo que exerce função pública, a vaidade é, então, a grande inimiga política, uma vez que essa leva o individuo a centrar-se em si mesmo, esquecendo os projetos sociais e políticos. Assim, a vaidade conduz à mediocridade política.

Em verdade e em última análise, existem apenas duas espécies de pecado mortal em política: não defender causa alguma e não ter sentimento de responsabilidade. [...]. De uma parte, a recusa de se colocar a serviço de uma causa o conduz a buscar a aparência e o brilho do poder, em vez do poder real; de outra parte, a ausência do senso de responsabilidade o leva a só gozar do poder pelo poder, sem deixar-se animar por qualquer propósito positivo. [...].
Política dessa ordem não passa jamais de produto de um espírito embotado, soberanamente artificial e medíocre, incapaz de apreender qualquer significação da atividade humana. Nada, aliás, está mais afastado da consciência do trágico, de que se penetra toda ação, e, em especial, toda ação política do que essa mentalidade. (WEBER: 2000, p.107-108)

TIPOS E FUNDAMENTOS DA LEGITIMIDADE

Entre os fundamentos que conferem legitimidade, Max Weber indica a crença na tradição, o carisma pessoal e a legalidade. Ou seja, existe uma tradição de longo tempo, que criou a moral da comunidade. Essa moral permite falar em identidade de um povo ou comunidade. E de acordo com esse povo, o seu representante, para chegar à eleição e ao exercício legitimo de seu poder, deve apresentar um carisma político que receba da comunidade sua efetiva e afetiva adesão.

Existem, em princípio, três razões internas que justificam a dominação, existindo, consequentemente, três fundamentos da legitimidade. Antes de tudo, a autoridade do “passado eterno”, isto é, dos costumes santificados pela validez imemorial e pelo hábito, enraizado nos homens, de respeitá-los. Tal é o “poder tradicional”, que o patriarca ou senhor das terras, outrora, exercia.

Existe, em segundo lugar, a autoridade que se funda em dons pessoais e extraordinários de um indivíduo (carisma) ___ devoção e confiança estritamente pessoais depositadas em alguém que se singulariza por qualidades prodigiosas, por heroísmo ou por outras qualidades exemplares que dele fazem o chefe. [...].

Existe, por fim, a autoridade que se impõe em razão da “legalidade”, em razão da crença na validez de um estatuto legal e de uma “competência” positiva, fundada em regras racionalmente estabelecidas ou, em outros termos, autoridade fundada na obediência, que reconhece obrigações conformes ao estatuto estabelecido. Tal é o poder, como o exerce o “servidor do Estado” em nossos dias e como o exercem todos os detentores do poder que dele se aproximam sob esse aspecto. (WEBER; 2000:57-58)

O ESTADO, A BUROCRACIA E O USO LEGÍTIMO DA FORÇA

Sociologicamente, o Estado não se deixa definir a não ser pelo específico meio que lhe é peculiar, tal como é peculiar, a todo outro agrupamento político, ou seja, o uso da coação física. [...]. Em todos os tempos, os agrupamentos políticos mais diversos ___ a começar pela família ___ recorreram à violência física, tendo-a como instrumento normal de poder. Em nossa época, entretanto, devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território ___ a noção de território corresponde a um dos elementos essenciais do Estado ___ reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física. [...]. O Estado se transforma, portanto, na única fonte do “direito” à violência. (WEBER; 2000:56).

O ESTADO pode ser concebido sob duas perspectivas diferentes: juridicamente e politicamente.

Sob o ponto de vista jurídico, para que haja Estado, é preciso haver território, povo, governo e soberania. Assim, por exemplo, a nação cigana não constitui um Estado, por não ter um território; igualmente, não existe o Estado da Palestina, pois não tem uma autonomia, embora haja povo e território. O povo é a população que tem vínculo jurídico com o Estado: certidão de nascimento, carteira de identidade, título de eleitor, etc. O governo corresponde aos indivíduos inseridos no poder executivo: prefeito, governador, presidente. Diferentemente do Estado, é importante lembrar que o governo, que é um componente do Estado, é temporário, como foram os governos FHC, Lula, Dilma, Temer.

Politicamente, como se define o Estado? O conceito mais claro foi construído por Max Weber, para quem o Estado é a Instituição que detém o monopólio legítima do uso da força física dentro de um determinado território.
No âmbito do Estado, que é o do domínio legal, a burocracia exerce um papel decisivo para a criação, o fortalecimento e a perpetuação do Estado Moderno.

A BUROCRACIA, em Max Weber, é uma forma de administrar na qual cada funcionário, aprovado em concurso público sob critérios igualmente públicos e universais, exerce uma função específica e especializada, dentro de uma hierarquia reconhecida. Estabelecendo uma relação de superioridade, a burocracia é um mecanismo de poder.

Em sua atuação a serviço do Estado, o funcionário tem uma série de proteções e garantias, que fazem com que muitos busquem esse serviço.
Essa estrutura burocrática acentua a impessoalidade nas repartições públicas, uma vez que o funcionário deve fazer com que sua especialidade funcione, com que sua função seja bem exercida, com que o regulamento seja bem cumprido, buscando atender e administrar a igualdade reivindicada pelas pessoas.